MPBeat: Música Popular Brasileira para dançar
Com quase 50 anos de seu surgimento, a música eletrônica é um dos gêneros mais rentáveis do showbusiness. Mais do que DJs tocando para multidões, a praticidade da música criada muitas vezes em quartos de jovens compositores atrai cada vez mais a criatividade de artistas e se mescla perfeitamente a gêneros tradicionais, como é o caso da MPB calcada na voz e violão .
Esses criadores são jovens músicos que cresceram ouvindo música brasileira, mas que, ao mesmo tempo, são influenciados pela música que é produzida nos computadores. Na casa dos 20 e tantos anos, eles estão lançando seus primeiros álbuns e já começam a ser notados pelos grandes críticos de música. Nomes como Camões, Clara Valente e Diogo Strausz são sinônimos de uma música brasileira construída sobre batidas eletrônicas, mas sem abrir mão do samba, bossa nova e do ziriguidum dos nossos ritmos.
Paulo Camões é cantor e compositor e já possui dois EPs - “Cupim”, de 2014 e o recém-lançado "Anilina", onde une MPB e influências do pop, nu-dance e indie - e o novo single “Cúmbia da Gota”, lançado pela Gomus Music. Aos 24 anos, ele acredita que o instrumento brasileiríssimo, o violão com cordas de nylon, é o que faz parte da sua identidade, juntamente com a música eletrônica. “Quando se faz pop com letra em português é difícil fugir da sigla ‘MPB’. Cheguei a pensar em abrir mão da viola, mas ela faz parte da minha identidade. O timbre dela misturado à batida eletrônica me ajuda a ser único, o que faz parte do ofício de um artista”, explica Camões.
Além de ajudar a trazer uma nova identidade sonora, elementos eletrônicos muitas vezes facilitam e diminuem os custos da produção de uma canção. No caso de artistas e bandas independentes, eles podem fazer toda a diferença na hora de se chegar a um resultado próximo do desejado, sem grandes investimentos que um arranjo pode exigir.
"No meu caso, bastou um midi controller que minha madrinha trouxe da gringa, uma placa basicona da M-Audio e alguns empréstimos de mics e instrumentos dos amigos. Se não fosse pela batida eletrônica, eu teria que ter uma bateria em casa e, pior, aprender a tocá-la (risos). Claro que não é só pela praticidade, também busco essa estética. Mas não há como negar que é conveniente. Ao abrir um pacote full de um Logic ou de um Live, é como se você entrasse num grande estúdio, abarrotado de synths e instrumentos ao seu dispor, só que dentro de um computador. Quer dizer: eu posso chegar lá e escolher o sino chinês de prata, ou o cowbell turco que eu quiser. Sei que um código eletrônico não se compara ao som elétrico, ao reverb natural. Mas falando em bom português: dá pra enganar, dá pra ser feliz, dá pra fazer um musicão", avalia Camões.
Já Clara Valente, quando pensa na música que produz, ela encara como uma necessidade do mercado fonográfico. “Vivemos hoje uma escassez de novas ideias musicais. Sinto que melodias, harmonias e letras se repetem muito. Na minha opinião, a tecnologia e a constante mistura de sons de diferentes partes do mundo que tem levado a música a novos caminhos”, reflete.
Segundo a cantora carioca, apesar da inovação, a mistura dos dois elementos causa estranhamento aos mais tradicionais. “O meu baterista, por exemplo, tem feito alguns shows inteiramente com dispositivos eletrônicos que emitem, entre outros, os sons de bateria acústica. Acho esses estranhamentos engraçados até... Afinal, hoje ninguém estranha alguém tocando teclado no palco com som de piano, né?!”, brinca. Para comemorar sua passagem pelo festival americano South By Southwest (SxSW), Clara lançou recentemente um EP que traz uma inusitada releitura de “Fullgás”, unindo o clássico de Marina Lima ao rock novaiorquino do TV On The Radio.
Produtor, guitarrista, compositor e DJ, Diogo Strausz, aos 26 anos, é da geração faz-tudo. A curiosidade o levou a investir em uma sonoridade influenciada por batidas eletrônicas e até mesmo trilha sonora de seriado japonês. Strausz soma créditos em seu currículo de produtor (“Rainha dos Raios”, de Alice Caymmi; "Serviço", de Castello Branco; entre outros) e lançou no início de 2015 seu primeiro álbum solo, “Spectrum vol. 1”, que traz participações de inúmeros artistas.
Ele analisa que a revolução provocada pela união da MPB com a música eletrônica nada mais é que uma evolução natural da música: “Se estamos falando de MPB, acho que uma vez que a barreira da guitarra tenha sido quebrada, por quê tanto tempo depois não experimentariam com outras coisas? No fundo, essas resistências são apenas oportunidades para o enriquecimento", diz Strausz.
Atuar em várias áreas vem como uma consequência do artista multifacetado, que precisa aprender a tocar instrumentos diversos e atuar como próprio produtor. Foi assim que Camões produziu, pela primeira vez, seu trabalho mais recente, o EP "Anilina". Tanto que, em duas das faixas, o cantor deu protagonismo a duas vocalistas convidadas. 2015 também foi ano que colocou Camões atrás dos CDJs. "Pra mim acaba sendo natural essa transição entre DJ, produtor, canta-autor... O que acontece é que um dia decidi que iria viver de música e pra mim não importa tanto a forma. Importa ouvir música e fazer música. Todos os dias", conta o cantor e compositor que lançou recentemente um edit para um antigo sucesso de Gonzaguinha, "Lindo lago do amor".
A faixa veio para marcar esse novo momento, em que a criação é o norte do trabalho de Camões, não importa a forma que ganhe. Segundo o cantor, produção e composição vêm do mesmo lugar e trazem o mesmo mind-set. O que eles têm em comum? Um longo processo criativo.
"São dois momentos: o de construção livre e o de lapidação. Quando produzo, abro o programa e geralmente começo pelas batidas, daí parto pra uma linha de baixo, depois um synth, etc... Quando tudo começa a ficar uma bagunça, entra a parte da lapidação da pré-mix, assim abro espaço na música e começo a pensar com mais cautela no que mais pode entrar. Escrever música funciona parecido: tem o momento de cantar qualquer besteira e depois o momento de acertar os acordes, acertar aquela palavra ou outra que é cafona, lugar comum, boba... O lado chato de produzir é que exige partes técnicas que, se são desconsideradas, tudo embola. Não é tão lúdico quanto compor no violão. Tem que estar sempre estudando quais frequências devem entrar em qual lugar, como comprimir cada elemento, além de testar mil parâmetros nos plugins da vida até tirar o som que você quer", explica.
Mas e o futuro? Será que a música eletrônica misturada à MPB é uma tendência que veio realmente para ficar? Camões acredita que, independente do que seja produzido, o mercado da música vai crescer, e com isso, é comum que haja diversas nuances e subgêneros. Até mesmo porque a música atualmente é algo compartilhado e produzido por bilhões de pessoas no planeta. Strausz analisa a inserção de elementos eletrônicos na MPB como uma espécie de tradutora do tempo em que vivemos: “No fundo, todos são recursos para expressarmos os sentimentos gerais de um momento que nós e aqueles ao nosso redor estão vivendo.” O produtor lançou recentemente o EP de estreia de seu projeto Aymoréco, ao lado do cantor e ator Chay Suede, e trabalhou com cantoras como Gal Costa, Clarice Falcão e Laura Lavieri. Agora, Diogo e Chay preparam o disco de estreia do Aymoréco, gravado em Los Angeles em parceria com o produtor Mario Caldato Jr.
Mas e o som? Será orgânico, com o reinado do violão, ou será eletrônico recheado de samples? Clara Valente sabe a resposta: “Acho que o aprimoramento dessas técnicas e a facilidade de cada um de nós fazermos isso em casa com nossos notebooks, vai permitir novas texturas e linguagens. Se será orgânico ou eletrônico... Não sei dizer. Provavelmente híbrido, e sinto que futuro é por aí”, responde a cantora.
Ouça "Lindo lago do amor", edit de Camões para Gonzaguinha: https://soundcloud.com/camoes/gonzaguinha-lindo-lago-do-amor-camoes-edit
Ouça o EP "Anilina", de Camões:
Spotify: http://bit.ly/1Qqrsmq
Deezer: http://bit.ly/1QGYVbn
Camões - "Segredo":
Clara Valente - Fullgás/Staring at the sun:
Diogo Strausz feat. Jacob Perlmutter & Brent Arnold - Right hand of love:
Ouça "Spectrum Vol. 1", de Diogo Strausz: