CENA 2.0 - E o Ministério da Cultura?
Téo Ruiz é músico, compositor e produtor atuante. É pós-graduado em Música Popular Brasileira pela Faculdade de Artes do Paraná. Em 2010 concluiu seu mestrado em etnomusicologia na Universidad de Valladolid, Espanha, sendo a indústria musical brasileira e a reconfiguração do setor o tema de sua dissertação.
E é nosso novo colunista do CENA! Aproveite! Arthur Viana Concolato Diretor da Muito Além do Microfone
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
A revolução digital provocou uma avalanche devastadora nos métodos e nas estruturas de produção cultural, em especial na música, que obrigou novos e velhos agentes a reverem sua maneira de atuar em um cenário que passou a ser extremamente imprevisível, mutante e complexo. Foi necessário aprender a dançar uma nova música; mais descompassada, mais frenética e mais ampla também.
Mas afinal, que música toca o Ministério da Cultura (MinC)? Em 1985, no governo de José Sarney, a cultura deixa a pasta da educação e ganha seu próprio ministério. Durante o governo Collor, em 1990, passa a condição de Secretaria e assim permanece por dois anos, até Itamar Franco devolver o status anterior à pasta. Em 1999, com Fernando Henrique Cardoso, o MinC é modernizado e em 2003, no governo Lula, ganha uma estrutura organizacional mais condizente complexa, com secretarias capazes de gerir diferentes projetos e políticas específicas de cada setor cultural. Ainda que com muitos problemas e limitações orçamentárias (faz parte do grupo de ministérios anões da estrutura federal), o Brasil passou a ser, em pouco mais de 20 anos, um dos únicos países do mundo preocupado minimamente com fomento, regulação, estímulo e desenvolvimento da área cultural. E não poderia ser diferente. Em poucos países europeus, como a França, a cultura tem uma pasta atuante que prima pela produção de conteúdo cultural do país, no caso em especial o cinema. Na Espanha, por exemplo, este ministério se preocupa basicamente com a recuperação e manutenção do patrimônio histórico, com igrejas e castelos impecavelmente bem cuidados é verdade, mas com pouco direcionamento a uma política pública efetiva e de fomento.
Fonte: Jornal Metro
Com Gilberto Gil (2003 a 2008) o MinC ganhou uma outra dimensão. Muito longe de ser um “cabide de emprego de artistas vagabundos”, como vem sendo difamado ultimamente, o ministério começou a se preocupar com minorias, com o estabelecimento de ações pontuais e gerais ao mesmo tempo, num esforço de simplesmente sair do ostracismo da informalidade e pleitear o patamar social que já tem de fato no país no âmbito econômico. A cultura é, faz muitos anos, um dos principais segmentos da economia brasileira. A música é, a décadas, um dos principais produtos das exportações nacionais.Segundo uma pesquisa de 2007 do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), a cultura passou a ter mais de 4 milhões de brasileiros empregados direta ou indiretamente na cultura após a virada do milênio, representando quase 6% da força de trabalho nacional. Números que impressionam, mas que escancaram uma distorção gritante quando analisamos dados e orçamentos da pasta no próprio governo federal e também em estados e municípios. Não só na música, mas em outros segmentos, o mercado apresentava na época (e ainda apresenta) uma série de distorções, fruto de uma falta completa de políticas estatais que visem equilibrar a queda de braço do capitalismo selvagem.
Como diria meu amigo Makely Ka, foi como se Gil estendesse o pensamento tropicalista para a política pública. Conscientemente ou não, o Brasil passou a ter que aceitar o Brasil, a conversar com o Brasil, a reconhecer o Brasil através de projetos como o Cultura Viva, Pontos de Cultura e muitos outros, surgidos em grandes encontros nacionais que tiveram início nas Câmaras e Colegiados Setoriais em 2005. Na música, o governo se viu obrigado a chamar para conversar gigantes da indústria fonográfica como a ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos - que representam as grandes gravadoras) e a UBEM (União Brasileira de Editoras de Música), dinossauros como a Ordem dos Músicos e o ECAD, na mesma mesa que a OAB e entidades dos setores “marginalizados”, como a recém criada ABMI (Associação Brasileira de Música Independente) e organizações e fóruns da sociedade civil que representavam basicamente os músicos, o artista diretamente. E isso não foi feito de forma aleatória ou puramente romântica, mas sim com base em diversas pesquisas e estudos acadêmicos que já apontavam uma mudança drástica nos paradigmas da indústria da música pós década de 1990. Não se poderia mais pensar música como antes, atuar da mesma forma como se ainda estivéssemos nos anos 1970. Uma série de novos agentes já faziam parte do mercado, e revisões eram urgentes. Claro que houve (e ainda há) muito embate, muitas forças opostas, resistência e muita vontade de manter velhos padrões em prol de uma estrutura que privilegia poucos. Mas essas “forças” agem no mercado do mundo todo, certo? Pois bem, com o MinC de Gil e Juca Ferreira (seu sucessor) foi um pouco diferente, pelo menos.
Conversando com um amigo esses dias, ele me questionou como estava a música pra mim. “Muito trabalho”, eu disse. Em seguida ele me questionou se eu era a favor da manutenção do MinC, em um tom
claramente reprovador em caso de resposta positiva da minha parte. Acabei não respondendo a contento na hora por várias razões, até mesmo porque hoje se criou uma falsa ideia de que só é possível ter dois lados pra tudo e ser “a favor” do MinC virou sinônimo de comunismo e bolivarianismo. Enfim, como que um segmento que movimenta tantos recursos e emprega tanta gente pode não ter uma atenção mínima dirigida às suas questões específicas? E no caso do MinC, é mínima mesmo, ainda muito aquém do que deveria. Se outros países não tem esse ministério talvez seja porque esse setor não represente tanto do ponto de vista econômico. Sem uma estrutura de ministério, com funcionários, secretarias e uma organização condizente com seus projetos não se pode gerir políticas para um setor tão complexo. As secretarias somem, funcionários de carreira são relocados para outras áreas, e uma série de projetos em andamento simplesmente desaparecem dentro da máquina pública. É como se pensar na gestão do SUS vinculado a uma secretaria ou a um outro ministério qualquer. Hoje já existem políticas e programas tão complexos para a cultura quanto o SUS, que independem de governos. Algumas são políticas de estado, como o Plano Nacional de Cultura. E essas questões são vitais para uma população que se compara a da cidade de Porto Alegre, por exemplo, sem contar com familiares e dependentes diretos. Tem muito peso, simples assim.
Sem contar o simbolismo que está por trás da “cultura”, em especial no Brasil. Extinguir essa estrutura com uma simples canetada é um soco no estômago de muita gente e muitas coisas que valem uma coluna a parte, demonstra um desconhecimento e um descaso com todo este segmento. Uma das músicas mais emblemáticas da minha geração questionou: “você tem sede de que? Você tem fome de que?” Eu sou daqueles que também não querem só comida e dinheiro, que querem inteiro e não pela metade.