CENA 2.0 - Eu quero ouvir música agora!
Muitos mitos e tabus foram quebrados sobre como encontrar uma determinada música que se queira ouvir. Um jovem de 10 anos hoje deve achar banal esse assunto, óbvio e até mesmo sem sentido porque para ele, virtualmente, qualquer música de qualquer artista está disponível a hora que ele quiser. Para quem já nasce imerso nesse universo, realmente, deve parecer uma questão ultrapassada ou nem mesmo ser algo a se pensar e refletir. Afinal, não somente na música mas nos filmes também, a rigor, a distância entre a vontade e o ato de ver ou ouvir são apenas alguns cliques dentro do mundo do streaming.
Sem querer parecer antiquado ou ultrapassado, é preciso dizer que nem sempre foi assim. Por mais óbvia que essa afirmação também possa parecer, quem trabalha com música e está inserido no mercado deve estar atento a essas questões pois se nem sempre foi assim, provavelmente não será assim para sempre. A música evoluiu muito em nossa sociedade em muito pouco tempo. Antes de ser possível gravar e registrar sons, a música só existia ao vivo, através da memória e da execução dos músicos. Somente após a invenção do fonógrafo por Thomas Edison em 1877 passou a ser possível tal registro, e a partir dessa tecnologia muito se desenvolveu até os dias de hoje, em que a música está presente em qualquer parte, em
qualquer lugar. Ela deixou de ser uma experiência estritamente coletiva para ser algo extremamente individual também. Em um metrô ou ônibus, centenas de músicas podem estar sendo executadas ao mesmo tempo, individualmente por cada um dos passageiros.
Do ponto de vista histórico isso é muito pouco tempo. O fonógrafo é contemporâneo da Proclamação da República do Brasil, que por sua vez não está tão distante assim da independência de Portugal em
1822. Uma pessoa que tinha 10 anos quando assistiu Dom Pedro I dar o Grito do Ipiranga aos trancos e barrancos pode muito bem ter assistido os marechais Deodoro e Floriano liderarem o surgimento da
república. Por curiosidade, Dom Pedro II (filho do I) foi o primeiro cidadão brasileiro a ter sua voz gravada por um fonógrafo. Ou seja, pela perspectiva das gerações, as distâncias temporais acabam se relativizando um pouco.
Quando estudamos esses fatos na escola parece algo muito distante, mas ainda não se passaram nem 200 anos desde a independência. E nesse curto espaço de tempo, hoje somos capazes de ouvir música a
qualquer hora. Comecei a pensar sobre esse assunto quando meu filho mais velho, que tinha na época uns 5 anos, me perguntou o que era um toca fita. De fato, ele não teria como saber o que era pois ele
nunca havia precisado de um. Do fonógrafo ao gramofone, ao rádio, passando pelos mini-systems, walkmans, diskmans e os iPods e celulares multifuncionais, o propósito sempre foi deixar a música
cada vez mais portátil. Pra quem produz o conteúdo musical as mudanças foram muito rápidas e significativas. Era (e ainda é) necessário acompanhar o surgimento dessas novas plataformas e possibilidades, afinal os jovens atuais compram bem menos discos. Ao contrário do que se fazia até os anos 1990, hoje em dia muito poucas pessoas esperam o lançamento do próximo álbum de seu artista favorito para ir a uma loja comprar esse produto. Este objeto deixou de ser o hábito primário de se consumir música, pois já existem plataformas digitais para download (pagos ou não) e principalmente o streaming tanto no YouTube quanto em outras plataformas como o Deezer e o Spotify.
Mas por mais paradoxal que pareça, depois de toda revolução digital dos anos 1990, é cada vez mais consenso que as mídias e os suportes de música não mais substituem por completo seus antecessores. O
CD tomou o lugar do LP que sumiu do mercado, e depois foi sendo substituído pelo MP3 e sua alta capacidade de compartilhamento na rede. Mas hoje nem é mais necessário baixar a música pois existe o
streaming. E mesmo assim, o mercado de venda de discos se mantém (naturalmente em um patamar muito menor mas ainda suficientemente atrativo) e até fábricas de LP reabriram suas portas, em um claro sinal de que este mercado voltou a valer a pena. Mas se as pessoas podem acessar a música muito mais facilmente pelo streaming, o que explicaria essa aparente contradição? Ao meu ver o simples fato de que hoje são exigidos aparelhos e pessoas multifuncionais que vivem em um ambiente de convergência, no qual
novos e velhos métodos, mídias e mecanismos não necessariamente se substituem mas coexistem em um mundo que precisa dessas várias funções. A mesma pessoa que ouvia LP nos anos 1960 hoje já pode ter facilmente aprendido a baixar um simples aplicativo em seu celular e ouvir música online. São vários públicos, que podem ser inclusive o mesmo para todas as possibilidades que existem de se obter música.
O grande desafio de quem produz música hoje, seja de uma grande gravadora ou um autoprodutor, é estar conectado e disponível para o seu público da maneira mais fácil e portátil possível. A revolução digital possui vários desdobramentos, razões, nuances e discussões. Mas se antes falávamos somente pelo telefone, hoje falamos, ouvimos e assistimos pela internet.