CENA 2.0 - A salvação da venda de música
Quem frequentava as salas de cinema nos anos 1990 e começo dos anos 2000 certamente deve lembrar dos trailers e propagandas anti-pirataria que eram veiculados antes dos grandes blockbusters das telonas. Muitas vezes com um humor de extremo mau gosto, essas propagandas pintavam o comércio informal de discos como o grande e único vilão da queda livre nas vendas de CDs e DVDs, que afetavam a indústria fonográfica e a indústria cinematográfica. Para a música especificamente, no entanto, era um período de transição muito importante, no qual uma geração inteira aprendia a obter músicas de uma outra forma. Várias alternativas surgiam com extrema rapidez, e os jovens passaram a ouvir, desde cedo, de uma maneira diferente.
Alheias a vários outros fatores e toda uma conjuntura tecnológica, mercadológica, social e econômica, as grandes gravadoras do setor musical e suas entidades representativas declararam guerra a pirataria no que parecia ser o bode expiatório perfeito da falência de um sistema de vendas de música estabelecido há décadas. Inúmeras previsões catastróficas eram profetizadas, que a economia dos países ocidentais estava ameaçada, empregos iriam sumir, etc, etc.
É um fato que o mercado de discos despencou nos últimos 20 anos. E outro fato é que as vendas digitais já representam uma tendência e uma sobrevida ao comércio formal de fonogramas controlado pelas grandes gravadoras a partir de 2009. Tanto é que o discurso anti-pirataria perdeu força por parte dessas corporações. O streaming e o download pago são os mecanismos possíveis de se obter música digitalmente e em 2015, juntos, superaram as vendas físicas pela primeira vez no Brasil. Nos Estados Unidos essa virada ocorreu em 2011 e na Inglaterra em 2012, comprovando essa tendência mundial do setor.
Ao contrário do que possa parecer aos olhos comuns, neste mercado não atuam somente artistas e produtores vinculados às grandes gravadoras, que são as responsáveis pelos dados “oficiais” que circulam na mídia de massa. Já desde o início dos anos 2000 que a maioria dos títulos de música produzidos no Brasil não fazem parte do catálogo dessas empresas. E naturalmente que esses produtos também iriam encontrar, mais cedo ou mais tarde, mecanismos de participar das principais plataformas digitais. E vários desses artistas, muitos considerados “marginais” ou “independentes”, começaram mais cedo a distribuírem suas músicas digitalmente, antecipando uma tendência de mercado comprovada nos últimos anos. O YouTube, por exemplo, foi o grande precursor do streaming de música na internet. Apesar de ser focado em imagens, é cada vez mais frequente o lançamento de álbuns inteiros na plataforma. Deezer, Spotify e outros, por sua vez, se especializaram em ter um gigantesco catálogo de músicas negociado tanto com as grandes gravadoras quanto com selos menores e até mesmo autoprodutores. Afinal, para eles o importante é a alta disponibilidade de conteúdo para atingir os milhões de usuários necessários para cativar anunciantes e outras formas de arrecadação como serviços pagos de assinatura.
O YouTube, aliás, rende cada vez mais publicidade através do conteúdo musical. A questão passa a ser, portanto, como distribuir o que é arrecadado. Há ainda uma confusão muito grande sobre como e o que é pago referente a um comércio varejista da música e o direito autoral. As distribuidoras, em geral, fazem a distribuição dos discos e fonogramas nas plataformas online quase como se fosse uma loja física, porém quando se fala em direitos autorais muita discussão é levantada. Já o YouTube é alimentado pelos próprios usuários, gratuitamente.
A questão é tão importante que o Ministério da Cultura se antecipou e forçou o debate de uma legislação específica para a arrecadação dentro destas plataformas através de uma consulta pública. Lojas de download como o iTunes, por exemplo, possuem uma negociação mais direta mas a conversa não é exatamente a mesma quando se fala em streaming. E como esta já é a principal forma de se obter música hoje em dia, é natural que os agentes se preocupem cada vez mais com a arrecadação proveniente desse tipo de acesso à música.
Poucos se arriscam ainda a trazer definições sobre isto porque de fato muita coisa ainda está pra ser definida. Quem viver verá, e só com muito amor no coração pra entender esse grito de alerta de que quem trabalha com música precisa estar atento e participar deste processo.
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