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CENA 2.0 - A ANCINE musical em debate


Fonte: http://www.jornalnopalco.com.br/evento/fundacaocultural/2015/05/21/reuniao-do-colegiado-setorial-da-musica-de-canoasrs/ Há pouco mais de 10 anos, nas discussões e corredores do Ministério da Cultura em Brasília, muitos consideravam ingênua e inocente a proposta de se criar uma agência nacional para a música como a ANCINE, que atua na regulação e fomento do cinema nacional. Tive a oportunidade, como membro e diretor do Fórum Nacional da Música (FNM) na época, de participar de algumas dessas discussões com o governo e várias outras entidades organizadas do setor. O argumento principal era de que o Centro de Música da FUNARTE, um departamento pequeno dentro de uma autarquia vinculada ao Ministério da Cultura, não tinha mais condições, sozinho, de ser o órgão público máximo da música brasileira por conta de sua complexidade e importância tanto para a cultura quanto para a economia do país. Neste departamento trabalham poucas pessoas, cerca de cinco, que com muito boa vontade tentavam organizar editais, propor projetos e ações que, independente de seu sucesso ou fracasso, ainda estavam muito aquém das necessidades do setor musical. De lá pra cá, diga-se de passagem, as políticas voltadas para a música despencaram ainda mais.

Em 2005, na gestão de Gilberto Gil a frente do MinC, foi organizado um projeto de diálogo com os setores artísticos através das câmaras setoriais, que logo viraram colegiados. Como mencionei na minha coluna de estreia neste site, a música diversas entidades representativas dos mais variados segmentos sentaram para discutir os rumos do setor no país. Foram diversos encontros, reuniões, relatórios e documentos com a participação da ABPD, UBEM, ABMI e até mesmo o ECAD e a OMB, além dos músicos organizados nos fóruns estaduais que culminaram no FNM. Muitas questões foram permeadas por embates tensos como era de se esperar, mas que também representaram importantes conquistas como a sanção da lei que determinava a volta do ensino de música nas escolas de todo país. Apesar de ainda não ter sido implementada, esta lei é vista como extremamente importante e estratégica para a cadeia produtiva, criativa e formativa da música no Brasil.

Mesmo neste contexto considerado favorável para uma série de medidas, a agência da música era vista com ceticismo pelo próprio governo. A FUNARTE, principalmente, relutava pois considerava que perderia força no âmbito da máquina pública da cultura e pregava que, antes de se pensar em uma agência, era necessário primeiro fortalecer a própria FUNARTE. No frigir dos ovos, a criação ou não da agência era uma decisão mais política mesmo, ou seja, um risco. Poderia dar certo como poderia dar errado. Então qual seria o gestor que estaria disposto a bancar o ônus e o bônus dessa empreitada? Naquele momento, nenhum. Já havia muitos campos minados em torno de outras questões cruciais como a reforma da lei de direitos autorais e a fiscalização do ECAD, reforma de questões e leis trabalhistas que envolvem a OMB. A agência, na prática, foi considerada um assunto secundário. Mesmo assim, tanto no relatório de atividades do colegiado do período de 2005-2010 quanto no plano setorial da música, a criação deste órgão figura como uma diretriz futura, desafio ou linha de atuação. Nesse sentido, a agência era desde essa época uma reivindicação do setor musical, um objetivo a ser alcançado mesmo que ainda distante.

No ano passado, após um período de paralisia política, o Ministério da Cultura reabriu algumas discussões com a sociedade musical. Colocou em consulta pública algumas questões importantes, como o próprio plano setorial e a regulação dos direitos autorais no âmbito do streaming. Ainda em meio a turbulentas questões com o ECAD, por exemplo, que ainda protagoniza vários capítulos a parte, a criação desta agência parece ter ganho alguns adeptos importantes dentro da gestão pública da cultura. Pelo menos até antes de 12 de maio deste ano (o que vai vir depois dessa data, ninguém sabe). Mas o fato é que alguns gestores começaram a enxergar uma Agência Nacional da Música como um grande guarda chuva de questões importantes e, talvez, um caminho para soluções de problemas que perduram décadas e continuam estagnados em processos judiciais ou simplesmente na inércia dos que não querem mudanças. Muito longe de achar que esse órgão representaria a salvação ou a solução de todos os problemas do setor, assim como a ANCINE não é a salvadora da pátria do cinema, mas ela seria, sem dúvida, um escudo para um segmento que é tradicionalmente desorganizado e que vem tentando mudar esse quadro a pouco mais de 10 anos. Como agência, seria mais viável, por exemplo, gerir um fundo setorial para a música com mecanismos de financiamento próprio e regras de investimento. Inclusive, este órgão poderia desempenhar um papel proeminente em questões trabalhistas relativizando o papel da própria OMB, o grande calcanhar de Aquiles dos músicos. As possibilidades aumentam. As perspectivas melhoram, ainda que não seja a fórmula perfeita para tudo. Aliás, ingênuo é quem espera que as coisas se resolvam num passe de mágica, como já dizia minha vó.

Acho que ainda precisamos amadurecer muitas questões. Como seria essa agência, o que ela representaria na prática, se o modelo da ANCINE efetivamente poderia se aplicar para a música, e uma série de questões técnicas e burocráticas que cabe aos gestores pensar e resolver. Para nós, músicos, artistas, produtores e empresários, cabe estar atento e participar das discussões que vem por aí (será que ainda vem mesmo?). O fato é que faz muito tempo que a música brasileira representa muito mais economicamente do que transparece nos orçamentos e nas políticas estatais de todas as esferas do poder público. Os dados econômicos ainda estão muito restritos às grandes gravadoras que correspondem a apenas uma parte do setor musical. Aliás, perdendo força ano a ano em meio a enorme quantidade de festivais, feiras, eventos, shows, projetos, coletâneas, turnês, distribuição física e digital que acontece fora do mainstream e que gera cada vez mais emprego e renda. Está ficando difícil de ignorar a produção musical como um todo, e fica cada vez mais evidente que há uma economia considerável que não se pauta nos padrões do grande showbis nacional e internacional. E justamente por essas razões que uma agência seria mais apropriada para tentar dimensionar melhor essa economia que tanto se alterou após a revolução digital.

Será que a criação dessa agência é um passo maior que as pernas podem dar? Espero que a proposta avance, que seja debatido e que o MinC tenha a coragem de prosseguir e não se perder por aí no meio de tantas incertezas, porque a agência nacional da música, hoje, me parece ser uma das poucas certezas para a música no Brasil.

Leia também: Relatório de Atividades 2005-2010 Colegiado Setorial de Música: http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/conferenciassetoriais/2011/documentos/plano-setorial-de-musica.pdf

*artigo originalmente escrito para o Cultura & Mercado Leia o CENA anterior: A Salvação da Venda de Música

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