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Entrevista: Craca Beat!


Craca é um artista-hacker-músico que utiliza muito bem a tecnologia aliada à música, trazendo elementos novos e originalidade para a sua arte! MC Dani Nega é uma atriz e cantora, de voz potente e mensagem mais potente ainda! Imagine um show dessa dupla? No mínimo, im Curta aí a entrevista com o Craca, sobre o projeto Craca, Dani Nega e o Dispositivo Tralha (2016), que tem dado o que falar!

Arthur - Alguns meios de comunicação têm anunciado essa parceria como "O Geek e a MC". Como vocês veem esse trabalho?

Craca - O termo geek não tem uma definição precisa mas está bastante relacionado ao sujeito que consome a tecnologia da moda, usa gadgets incessantemente e passa o dia todo online nas redes sociais. Não acho uma definição honesta para mim que sou mais old school talvez. Minha relação com a tecnologia é mais política. Mais do "apropriar-se dela antes que ela se aproprie de nós". O termo "do it yourself" talvez seja mais a minha cara. Não me identifico muito com os sujeitos que usam pendrive do Star Wars e chaveiro do Minecraft.

Minha pegada é mais experimental: fui responsável por um dos primeiros (quem sabe o primeiro) disco físico licenciado em Creative Commons no Brasil. Criei softwares de distribuição musical independente. Lancei CDs virtuais antes da existência do MySpace. Crio eu mesmo alguns dos meus equipamentos musicais... Em suma, nerd seria melhor do que geek. Mas não me importo. Acho geek um termo divertido. As pessoas devem achar engraçado também quando vem minha cara barbuda e descabelada.

Agora, o que eu acho que desperta atenção é o fato de uma MC estar em parceria com um nerd-geek-hacker para fazer música. Não é um encontro comum. Por isso mesmo nossa música e nossos shows tampouco são comuns. São para quem busca algo que não venha embalado numa tetra pak. O show, por exemplo, além de ser muito dançante e divertidamente conduzido pela mestra de cerimonia, é também intensamente sensorial tanto musicalmente como visualmente. A música acontece com projeção mapeada interativa que se espalha pela arquitetura do espaço e se soma ao discurso político da Dani Nega. Gosto da ideia do geek + MC. Mas quem vai ao nosso show saca que essas tags são apenas a ponta de um iceberg. Somos artistas. Para abaixo do nível do mar há uma imprevisível complexidade em incessante transformação. Inquietude é nossa gasolina.

Arthur V. - A parceria iria ter essa pegada mais de "manifesto"? Qual a importância, na opinião de vocês, de artistas que debatem posicionamentos políticos/sociais?

Craca - Nossa afinidade se deu em vários aspectos. Político inclusive.

A discussão se a arte deve ser pura ou engajada é tão antiga quanto a própria arte. Nas últimas décadas passamos a assistir a um assustador fenômeno mundial onde todos os espaços públicos de expressão, convivência ou consumo foram sendo sequestrados pelos interesses financeiros. Fui professor muitos anos e vi de dentro como o capitalismo extremo em que vivemos cooptou o sistema de ensino privado e deteriorou o público. O mesmo podemos dizer dos alimentos: a biossegurança foi suprimida para dar espaço ao lucro do agronegócio. A classe política está completamente sequestrada pelo sistema financeiro e depende deste para eleger-se e para agir. Vale observar o discurso de Bernie Sanders e a atual história política brasileira para comprovar isto. A mídia é nada mais do que um endividado espaço publicitário voltado apenas às grandes empresas. O jornalismo, salvo alguns importantes focos de resistência, está há tanto tempo vendido ao sistema financeiro que já não enxerga além deste. Assim sendo, restam poucos espaços de ação e expressão independentes e livres. Os espaços de ação, que outrora foram protagonizados pelo movimento operário, atualmente estão melhor representados pelos movimentos sociais como MST, MTST, e tantos outros que lutam pelo direito fundamental à terra ou moradia. A arte é, por sua vez, um espaço de expressão.

Assim, acredito que, neste momento de capitalismo ubíquo extremista e neoliberal, o espaço da atuação política se mescla, mais do que nunca, com o espaço da arte pura para manter os cérebros vivos e ainda capazes de se indignar. E a importância disso está no fato de que não há mais outros espaços para isso. Foram todos tomados. Até a rua foi tomada pela iniciativa privada. Quando um artista com grande público como Mano Brown interrompe o show para criticar o status quo, ou quando um cineasta como Kleber Mendonça Filho aproveita sua visibilidade internacional para denunciar o golpe em curso, estão cumprindo sua missão artística e estão fazendo um pouco de justiça. É uma delícia ver gente alienada ou pseudo-informada, que curte o nosso som, ficar com uma expressão confusa e constrangida quando entende nossa mensagem nos shows. Nosso show não é panfletário. Mas como a Dani gosta de dizer, é "papo reto". Esse é um poder que somente os artistas estão tendo. O poder de atravessar as muralhas dos algoritmos das redes sociais ou dos filtros do jornalismo. O poder de transitar por várias camadas sociais. Os reacionários adoram Chico Buarque e isso tem sido um dilema terrível para eles. Pois que sofram por isso. Nenhuma outra forma de comunicação, senão a arte, consegue fazer essas pessoas experimentarem tal contradição. Tenho pensado muito em como essa frase do Chico é boa: "Você não gosta de mim, mas a sua filha gosta".

Arthur V.- Após esse disco mais eletrônico, quais os planos da dupla?

Craca - Shows, shows e mais shows. Mas também já estamos com a mão na massa para levantar um repertório novo que, tudo indica, será lançado no ano que vem.

Além disso, seguimos estudando. Inventando. Testando. Conversando. Conspirando. Vivendo. Amando. E fazendo exercício para manter a saúde.

Fazer arte não é um ofício. É um modus operandi.

Arthur V.- O discurso de vocês vai "Muito Além do Microfone"?

Craca - Sim. No nosso caso o microfone ainda não deu conta do nosso engajamento. Nem dará. O microfone é um momento breve de toda uma vida. Artistas que falam bonito mas agem feio tem aos montes. Ser artista não é apenas usar o palco. Há que se ser artista o tempo todo. E há que se ser politicamente transformador mesmo fora dos palcos. Nas coisas mínimas. Da forma como você licencia uma música à forma como você cede o assento a um idoso no ônibus. Gosto de pensar que a palavra "cultura" serve para a arte e para a horta. Em ambas, a monocultura é daninha e exige medidas artificiais de controle de pragas. A diversidade é um regulador natural desse sistema. Se você planta sementes diversas num mesmo espaço, você pode comer sem agrotóxico pois o ecossistema se regula defendendo-se de pragas. Se você tem variedade musical, variedade artística, o sistema se autorregula da mesma forma. Todos saem ganhando.

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