#ColunaDoChacal - Motim
No auge do sucesso de seus quadros, Frida Khalo negou quando especialistas e críticos de arte tentaram classificar seu trabalho como surrealismo. De acordo com a pintora, os surrealistas tinham o âmbito de atravessar o inconsciente e pintar seus sonhos, ela afirmava deixar de lado essa rotulação, porque diferentemente das fantasias espontâneas, ela pintava a própria realidade. Fadada pela miséria do país, a ascensão de ideias utópicas,, o autoritarismo das influências exteriores, e sobre tudo: o sofrimento por opressão misogínica herdada por séculos de patriarcalismo. Pode-se dizer que o Motim é a realização de um sonho, porém em uma realidade muito semelhante da artista mexicana.
Vindo em um momento de crise econômica, conscientização nacional, desemprego, carência de espaços para bandas independentes e a revolta pelo alto número de denúncias de assédio em ambientes de show, deram inicio e motivação ao espaço, estúdio e casa de shows Motim, vizinho dos mares da Guanabara na cidade do Rio de Janeiro.
Pertencente da parceria de duas ativistas, musicistas e produtoras culturais do selo artístico feminino "Efusiva", a Motim teve início em agosto de 2016, como uma expressão espontânea de sentimentos e a transformação da realidade em prática. Porém, sendo a concretização de um sonho mais antigo: ter um espaço que estimulasse a produção artística feminina, um estúdio para gravações e ensaios da banda do selo e que pudesse ser livre de misoginia, homofobia e transfobia.
Levando o raciocínio de Simone Beauvoir como objetivo: "Amar-se em sua força não em sua fraqueza". Trazer ao meio musical que busca igualdade entre gêneros uma forma de se afirmar ao invés de se renunciar; um meio de se encontrar ao invés de fugir de si mesmo.
Em uma realidade que muitos creem não existir, por pressupor de que a luta foi superada e que as ideias progressistas se originam de um vitimismo. Deixando de lado todos os índices de femicídio e dados que revelam o país como o maior em violência e assassinato para transexuais e travestis. Dado a fatos históricos, cerca de um século atrás Marie Curie teve o Nobel entregue ao marido, já que a academia não poderia considerar o mérito de uma mulher, na mesma época em que as mesmas eram trancafiadas em quartos com pretexto de histeria, diagnóstico que na época se tornou comum para o sexo feminino.
Em oposição contrária, o lugar faz aversão à classificação do senso comum sobre os gêneros, parâmetros sociais que estão para fragilizar as mulheres e inibir qualquer demonstração de delicadeza ou sensibilidade nos homens.
Sobre aspecto de segurança, existe uma preocupação que se torna prioridade na casa, há garantia de que qualquer perseguição ou invasão de privacidade não tenderá a ser tolerado. Cada uma das dirigentes do estabelecimento se dispõe a atender seja qual for o pedido de ajuda. E em todo evento cabe em assegurar que o local seja apenas fechado após a volta garantida com ausência de riscos de todo o público no recinto.
Sem sombra de qualquer exclusão, o ambiente da voz para mulheres e também espaço para os homens, exigindo apenas o pré-requisito de que não haja histórico de denuncia de assédio e/ou prática sexista preconceituosa. Exigência na qual deveria ser vista como exemplo e ser dada como base para condicionar o respeito e a tranquilidade alheia em casas que proporcionam a cultura local.
Fora o local também receber exposições artísticas, hospedar rodas de conversa, oficinas e cursos de montagem de palco, discotecagem, preparação de shows e qualquer proposta idealizada pelo selo, coletivos feministas e qualquer proposta que tenda a construir um saber comunitariamente.
Assim como o almirante negro João Cândido apontou canhões para o Rio de Janeiro, em um motim que caberia aos direitos impedidos e desrespeitosos a Lei Aurea por uma herança recém escravocrata, o Motim agora aponta guitarras para a modernidade carioca que se desvincula das correntes patriarcais e lança a voz efusiva para a ignorância do autoritarismo crescente.
A Motim está em funcionamento semanal como estúdio e presente com eventos de quinta a domingo. Recomendação para todos os artistas que virão ao Rio e se preocupam com o publico, e para todo publico que queira assistir seu artista sem ter preocupações.
Parabéns e admiração total pelo trabalho expansivo e veemente da Motim.
Créditos pra Alice Saraiva pela indicação