#ColunaDoChacal - Lá vem a morte
Lá Vem a Morte – A volta do que nos leva
“Deixo a vida com quem deixa o tédio”. Tal verso é próprio para qualquer declamação se tornar profana, e embora duzentos anos tenham se passado, Alvarez de Azevedo deu a entender de que sejam lágrimas ou o sangue que escorra, nenhuma forma se faz a mesma quando desabam ao chão. Boogarins tornam a introspectividade em formas não antes apresentadas, em um combate profano e corporal sobre um fim comum a todos, lucrativo para alguns e uma saída das chateações para outros.
“Lá Vem a Morte” foi para mim o que Teresa foi a Manuel Bandeira, por primeiro não tive associação ou entendimento da mensagem, segundamente acreditei ser um som sintético e estragado pelo excesso de artifícios, e quando ouvi pela terceira vez os céus se misturaram com a terra e o disco se apresentou como um dos melhores trabalhos experimentais do ano.
Assim como Radiohead fez no aclamado Kid A, Boogarins arrisca um trabalho muito distante dos dois primeiros discos, que lhes trouxeram importância para seu sucesso internacional (além das comparações com Tame Impala), e fez aparentar que seguiriam uma direção semelhante ao que se deu certo. Em elemento surpresa para um lançamento não anunciado em meio a uma turnê americana demostra maior impacto do inesperado. Reprogramando-se em um circuito de visões obliquas em áreas do cérebro que voltam a ser utilizadas.
Como reflexo do cenário politico e musical da atualidade a banda toma inspiração e forma de uma zona de guerra que está a fogo baixo. Por caminhos de efeitos, programação e montagem musical, leva a sonoridade sob um aspecto retrógado, como assistir uma cena do fim ao começo em uma perda recente de memória. Em critica ao autoritarismo crescente, o disco não dá espaço para inundações sentimentais, tende a vazar nos vazios individuais do consciente da ignorância, que tem historicamente andado de mãos dadas aos tempos de crise.
Com bases psicodélicas, Lá Vem a Morte se assegura por um caminho de trip hop, em ataque de estabelecer juízo e conduzir mudanças em momentos perigosos. Perante a indústria armamentista, presente financiador em todas as campanhas eleitorais dos EUA, sobre o comércio que priva o propósito de viver em virtude segundo a natureza e muitas vezes excluindo o próprio intento de existir.
“Lá Vem a Morte” faria os filósofos helenistas suarem frio. Sem espaço para os discípulos de Sócrates, a morte não é alcançada por ciclo natural, mas doutrinada para a imposição de potências. Forças contrárias ainda se fazem. E se são fortes, também há de sermos, porém deixemos o tédio de lado.